O impeachment, as manifestações e as escolhas que espreitam o Brasil

democracia

O Brasil, não devemos nos enganar, segue sendo um país de raízes autoritárias, onde a desigualdade,  a violência e  o racismo continuam a estruturar o poder. Esses são os monstros que se mostram de maneira cada vez mais aberta e desavergonhada nas redes sociais e nas ruas.

As últimas semanas foram marcadas por solavancos importantes na vida política brasileira, os quais, a depender de seus desdobramentos podem vir a decidir para qual lado a balança do nosso futuro vai pender. No meu entender, o fenômeno mais importante de todos – deixando de lado, por um momento, a lamentável politização da justiça e as manipulações escancaradas da cobertura midiática da Operação Lava Jato – foi o retorno às ruas da política. E isso, não tenho dúvidas, seja qual for a motivação, é motivo de celebração.

Foram manifestações gigantes, nas principais cidades do país, com a participação de centenas de milhares de pessoas: umas contra, outras a favor do impeachment. Em meio a tanta incerteza em relação aonde tudo isso vai nos levar, não posso deixar de celebrar o impulso cívico, mesmo insuflado, de quem se mobilizou para ir às ruas lutar por aquilo que acredita. A democracia também se conquista nas ruas.

A livre manifestação é essencial à democracia e, por isso, celebro. Prefiro mil vezes o grito às vezes confuso e contraditório das ruas do que o silêncio passivo nas poltronas ligadas nas telinhas, nos “plins-plins” e similares. Resta saber se das ruas e da mobilização da sociedade civil surgirá algum movimento, com lideranças renovadas, capaz de defender e reinventar a nossa delicada democracia. De nada vai nos adiantar montar trincheiras contra golpes reais ou imaginários, nem fazer avançar a sanha por impeachment a qualquer preço sem pensar em qual será o próximo passo. E nesse sentido, infelizmente, as figuras principais do governo e da oposição se mostraram incapazes de pensar o país acima dos seus interesses particulares, eleitorais e partidários, quase sempre no pior sentido.

O momento é, acredito, de atenção e cuidado. Cuidado especial com o que dizemos e professamos no debate público. As palavras, tanto quanto os atos, tem poder. Por isso é fundamental organizar a nossa fala e a nossa capacidade de ação em defesa da democracia, das liberdades e dos direitos humanos. Mais do que nunca temos que buscar na nossa história passada e recente a inspiração para evitar aventuras e aprender com os acertos do processo de transição à democracia. Os avanços dos direitos que conquistamos, em grande medida expressos na Constituição de 1988, são inegociáveis. Não devemos esquecer que o preço que pagamos foi alto, deixou muitas vidas e sonhos pelo caminho.

Para isso é essencial o fortalecimento de uma sociedade civil autônoma e independente capaz de, em momentos históricos de transição ou crise como o que vivemos atualmente, fazer a diferença na balança do processo de mudança sociopolítico brasileiro. Esse delicado equilíbrio, sabemos, corre o risco de pender para o lado da regressão dos direitos humanos e retrocessos na nossa jovem democracia.  Esse, aliás, é um dos preços que estamos a pagar por não termos sido capazes, 52 anos depois do golpe de 64, de abrir plenamente os armários da ditadura. E, passado mais de um ano de encerramento dos seus trabalhos, nossas instituições terem ignorado solenemente as recomendações da Comissão Nacional da Verdade, especialmente aquelas referentes as “permanências” da ditadura.

O Brasil, não devemos nos enganar, segue sendo um país de raízes autoritárias, onde a desigualdade,  a violência e  o racismo continuam a estruturar o poder. Esses são os monstros que se mostram de maneira cada vez mais aberta e desavergonhada nas redes sociais e nas ruas. Momentos de incerteza e instabilidade requerem lucidez das lideranças responsáveis de todas as esferas para que formem uma verdadeira frente política suprapartidária na defesa da democracia e dos direitos humanos, seja o for que nos espera ali adiante.

Não encontro outra maneira senão dizer que estamos diante de escolhas centrais para o futuro do estado de direito e da democracia. Alguns já fizeram as suas, os ecos sombrios de um passado ainda recente já se fazem ouvir.Vamos rapidamente fazer as nossas, pois daqui a pouco pode ser tarde demais.